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EM BUSCA DO BEBÊ PERFEITO
EM BUSCA DO BEBÊ PERFEITO

Em busca do bebê perfeito

O avanço das técnicas do sequenciamento do genoma tem ajudado a salvar a vida de crianças e permitido a pais com problemas genéticos terem filhos saudáveis.

Por Eduardo Araia
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Em busca do bebê perfeitoUS$ 2,7 bilhões foi o custo do primeiro sequenciamento genético de um homem, em 2003. 13 anos de trabalho foram consumidos no projeto. US$ 1.000 é o custo do sequenciamento genético de... Leia mais

Mas os novos processos também abrem caminho para práticas polêmicas, como a ideia de programar uma elite geneticamente perfeita. 

Como qualquer iniciativa pioneira de grande porte, o primeiro sequenciamento genético de um ser humano, concluído em 2003, custou caríssimo e deu muito trabalho. Os cientistas do Projeto Genoma Humano consumiram 13 anos e perto de US$ 2,7 bilhões para decifrar a ordem correta de mais de 3 bilhões de nucleotídeos, as “letras” que compõem o DNA. Mas o potencial de benefícios desse feito para a ciência é tão vasto que poucos duvidam do avanço em prazos e custos. Dito e feito: hoje já se pode sequenciar todo o genoma de um bebê em três dias, ou menos, por US$ 1.000, e os esforços para reduzir esses números seguem incessantes. 

Um dos setores afetados por esses avanços é o de medicina neonatal. Enquanto a maioria das doenças de adultos provém de aspectos genéticos e ambientais, a principal causa de morte infantil são as moléstias genéticas, entre elas as causadas por um único gene, ou monogênicas. A lista inclui doenças como fibrose cística, anemia falciforme e outras menos citadas, que atingem poucas pessoas neonatal. Enquanto a maioria das doenças de adultos provém de aspectos genéticos e ambientais, a principal causa de morte infantil são as moléstias genéticas, entre elas as causadas por um único gene, ou monogênicas. A lista inclui doenças como fibrose cística, anemia falciforme e outras menos citadas, que atingem poucas pessoas e, por isso, raramente são detectadas em testes clínicos convencionais. O sequenciamento rápido, entretanto, abre novas perspectivas terapêuticas para os afetados. Gradualmente, a genética permite prevenir doenças e criar bebês mais saudáveis – e, no futuro, talvez, superbebês.

O Hospital Children’s Mercy, em Kansas City (EUA), acumula em seu currículo casos de bebês salvos pelo sequenciamento rápido aliado ao diagnóstico correto. Criado em 2010, seu Centro de Medicina Genômica Pediátrica (o primeiro do mundo dentro de um hospital infantil) é liderado pelo geneticista norte-irlandês Stephen Kingsmore, cuja equipe já se destacara antes, no Centro Nacional de Recursos Genômicos, por sequenciar os genomas do arroz e do coco. “Percebemos que estávamos fazendo em plantas algo que iria sacudir a medicina”, diz Kingsmore. Logo depois de fundarem o centro, os pesquisadores souberam que uma empresa de biotecnologia procurava um hospital para experimentar sua nova e mais rápida máquina sequenciadora. “Vamos usá-lo em bebês em estado crítico, pois a maioria deles morre antes de ser diagnosticada”, pensou, na época, o pesquisador. 

Um dos êxitos da equipe acaba de ser relatado na revista Nature, de setembro de 2014. Um menino de dois meses, internado na unidade de terapia intensiva neonatal do Children’s Mercy, teve um problema de fígado agravado a tal ponto que os médicos pediram uma ajuda urgente a Kingsmore. O sequenciamento completo dos genomas do bebê e dos pais, feito em cerca de apenas 50 horas, detectou uma mutação genética rara comum aos três, ligada a uma doença em que o sistema imunológico superativo lesiona o fígado e o baço. Imediatamente, o bebê passou a receber remédios para baixar sua resposta imune e hoje está em casa, saudável. Um teste genômico convencional levaria mais de um mês, e a criança não teria resistido.

Até setembro de 2014, o Centro de Medicina Genômica Pediátrica do Children’s Mercy já havia sequenciado o genoma de 44 crianças com problemas. O diagnóstico correto foi atingido em 28 deles (63,6%), e em 14 destes últimos levou a mudanças no tratamento. Esses números ajudaram a instituição a iniciar, em outubro, um projeto pioneiro, apoiado pelo Instituto Nacional de Saúde dos EUA. A ideia é sequenciar, até 2019, 500 genomas de bebês e comparar os resultados com os diagnósticos de 500 crianças feitos a partir de testes genéticos e metabólicos convencionais. O projeto vai avaliar se o sequenciamento rápido pode evitar exames e tratamentos inúteis e, no caso de doenças incuráveis, oferecer aos pais mais informações sobre os problemas envolvidos. 

A rapidez da técnica e os resultados poderão ajudar a tornar o sequenciamento genético dos bebês um procedimento padrão nos Estados Unidos. “Acho que é realmente importante fazermos essas experiências, para ver o que elas podem render”, afirma Misha Angrist, especialista em política genômica da Universidade Duke. Mas ela lembra que ainda existem muitas perguntas sem resposta nessa área: quem paga pelo sequenciamento? Quem poderá ter acesso aos dados? Até onde os geneticistas poderiam ir na extração de informações genômicas não ligadas à doença tratada? 

 

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Problemas descartados

Outra área diretamente beneficiada pelos sequenciamentos é a da reprodução assistida. Os especialistas já dispõem de meios para selecionar os embriões com mais chances de se desenvolver saudavelmente, evitando mutações genéticas problemáticas.

Um caso bem-sucedido do gênero foi descrito em maio de 2014 na revista Obstetrics & Gynecology Science. Uma sul-coreana de 38 anos, que já tinha uma criança com citrulinemia tipo I (doença ligada a uma mutação no gene ASS1 que provoca acúmulo de amônia e outras substâncias tóxicas no sangue), pretendia engravidar, mas poupando o bebê do problema. Testes mostraram que ela e o marido eram portadores assintomáticos da mutação. Os geneticistas propuseram então uma fertilização in vitro. A mulher passou por um tratamento reprodutivo, após o qual foram selecionados oito oócitos (células germinativas femininas) para fertilização com o esperma do marido. Desses, cinco puderam ser sequenciados. Um dos embriões resultantes, sem a mutação no ASS1, foi implantado na mulher e, 35 semanas depois, nasceram dois gêmeos livres da doença. Bingo! 

Outro caso, relatado em julho na revista Popular Science, é o de uma mulher cujo irmão descobriu, aos 15 anos de idade, ter deficiência de ornitina transcarbamilase (OTC). A alteração, causada por uma mutação no gene OTC, presente no cromossomo X (feminino), também acarreta acúmulo de amônia no sangue. Para corrigir o problema, o rapaz teve de tomar remédios em doses altíssimas – 100 comprimidos por dia. 

Um teste constatou que a deficiência era assintomática na mulher, mas seus eventuais filhos teriam 50% de chance de herdar a mutação – e, no caso de meninos, de desenvolver a doença. Quando a moça decidiu engravidar, em 2012, seu médico falou-lhe da empresa Reprogenetics, no Estado de Nova Jersey. Fundada e dirigida pelo geneticista espanhol Santiago Munné, ela se especializou em criar testes para diagnósticos pré-implantação de doenças monogênicas.

O médico coletou amostras de DNA da paciente e do marido e deu a ela remédios para fertilidade durante algumas semanas. Depois, colheu sete oócitos, fertilizou-os com o sêmen do marido, retirou uma célula de cada um dos embriões resultantes, três dias após a implantação, e enviou-as à Reprogenetics. Já no dia seguinte, a empresa informou ao médico quais embriões não tinham a mutação. Em agosto de 2013, a moça deu à luz uma menina saudável. 

Desde o início dos anos 1990, quando obteve seu Ph.D. em genética, Munné já antevia que essa tecnologia aplicada à reprodução assistida seria um sucesso retumbante. Um dos criadores do primeiro teste de busca de defeitos cromossômicos em embriões, em 1993, o cientista já ampliou o leque de possibilidades na Reprogenetics. Na sua clínica já é possível, por exemplo, fazer testes em busca de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, que aumentam o risco de câncer de mama e de ovário. Em 2013, a atriz Angelina Jolie retirou os seios depois que um teste constatou que uma mutação em seu gene BRCA1 ameaçava, com risco de 87%, desenvolver câncer de mama, e de 50%, desenvolver câncer de ovário (causa da morte da mãe da atriz).

Munné planeja, para breve, testes para detectar em embriões genes ligados a autismo, esquizofrenia e doença de Alzheimer. Também estuda sequenciar todos os genes dos embriões, o que proporcionaria uma garantia sólida de selecionar os embriões mais saudáveis, pois Munné calcula que, na concepção, podem ocorrer cerca de 3 mil novas mutações impossíveis de prever. 

Seleção genética

Diversas clínicas norte-americanas decidiram “não se limitar” a programar crianças sem mutações genéticas danosas via reprodução assistida. Afinal, o mesmo processo pode ser usado para “customizar” os filhos. É possível, por exemplo, escolher o sexo do bebê – nos EUA, paga-se até US$ 18 mil pelo “serviço”. Também é viável escolher olhos azuis ou castanhos com até 94% de acerto, afirma o médico Jeffrey Steinberg, diretor do Fertility Institute. Segundo ele, essa característica está ligada ao gene que controla a quantidade de pigmento em um tecido da íris.

Ao anunciar a possibilidade da escolha da cor dos olhos em sua clínica, em 2009, Steinberg recebeu um enorme retorno, tanto de interessados quanto de críticos. Um telefonema do Vaticano conclamou-o a repensar a ideia. O impacto da controvérsia acabou levando-o a desistir. “A tecnologia parece estar se movendo mais rapidamente do que a capacidade da sociedade de lidar com ela”, afirma. 

A ligação entre os genes e vários aspectos da existência humana, como inteligência ou beleza, segue inacessível para os cientistas, mas a velocidade das descobertas na área tende a tornar mais plausíveis ideias antes restritas à ficção científica. Casais abastados poderiam sonhar em planejar sua prole com minúcias genéticas, a começar pelo sexo do bebê. O nascimento de meninas poderia ser dificultado em culturas mais machistas, como a chinesa e a indiana. Torna-se mais fácil imaginar uma sociedade como a do filme Gattaca – Experiência Genética (1997), em que uma elite geneticamente perfeita domina os nascidos de modo convencional.

Para chegarmos lá, a engenharia genética teria de adquirir um ainda distante controle sobre o funcionamento dos genes, avalia Richard Paulson, chefe de endocrinologia reprodutiva e do programa de fertilidade da Escola de Medicina da Universidade do Sul da Califórnia. “As pessoas imaginam que há um cardápio de mil características diferentes e que os pais poderiam escolher o que querem. Não funciona assim. A ciência não dispõe de meios para isso”, afirma. No entanto, é preciso reconhecer: a discussão sobre até onde podemos ir em termos de planejamento genético já começou. 

 

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 Planeta/Edição VidaNews